segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Tortelli di Zucca - Turtei dè Söca - Tortelli de Abóbora

 
Não existe uma só família católica, nas regiões da Emilia-Romagna, Veneto, Lombardia e Piemonte, que deixe de comer esse prato na Vigilia di Natale ou nos quatro domingos do advento, que antecedem o Natal. Essa tradição é religiosamente cumprida, sendo o Turtei dè Söca (no dialeto emiliano-romagnole), o primeiro prato da ceia; a presença dessa receita é tão certa quanto o peru de Natal aqui no Brasil.
Esse prato nasceu na baixa idade média, na região de Reggio Emilia, por volta de 1550; considerando que a abóbora é originária da América Central, é natural que esse prato tenha sido documentado apenas após a chegada dos europeus à América e posterior cultivo em território italiano. Na verdade, existia uma tradição cristã na região que impedia o consumo de carne nos domingos do advento e na Vigilia di Natale, marcada pela ceia do dia 24 para o dia 25 de Dezembro; a abóbora foi então considerada uma boa alternativa, já que sua colheita havia ocorrido poucos meses antes, bastante disponível na região, barata e com sabor delicado.
 
Já fazia um bom tempo que não comia o lendário prato, considerando que alguns meses atrás perdi uma receita inteira depois de armazenar o Turtei de forma inadequada - Lição aprendida. Considerando que estamos no período do advento, reunimos José e Sandra Sozzi, Felipe e Gi Rodini, minha esposa e eu, para um almoço totalmente caseiro, onde tudo fora feito obedecendo a receita original à risca.
 
Ingredientes:
 
- 600 g. de abóbora cortada em cubos, sem casca e sem sementes.
- 100 g. de Mostarda di Mantova, preferencialmente feita de pêras.
- 8 biscoitos Amaretti triturados.
- 50 g. de queijo parmesão ralado;
- Noz-moscada ralada na hora.
- 2 colheres de café de sal.
- 4 colheres de sopa de gergelim;
- 600 g. de massa caseira (veja postagem La Pasta, de 21 de Maio de 2012).
- 60 g. de manteiga;
- 1 ramo de folhas de sálvia.
 

O primeiro passo é assar os pedaços de abóbora; para isso, faça um envelope de papel manteiga, acomode os pedaços dentro e leve ao forno baixo (180 °C) por uma hora. Assim que os pedaços estiverem bem tenros e macios, amasse-os, formando um purê (veja foto ao lado). Assim que o purê estiver bem homogêneo, adicione os biscoitos de amêndoas triturados sem a casca de açúcar, 50g. de queijo parmesão de boa qualidade, a Mostarda di Mantova finamente picada, sal, e a noz-moscada. Misture tudo vigorosamente e reserve na geladeira, para que a massa fique bem compactada e seca.

 
Preparando o Tortelli:
 

Abra a massa com o auxílio de um cilíndro, até obter uma massa bem fina; para isso, passe-a pelos estágios 1, 3, 6 e 9, ou seja, das espessuras mais grossas até a mais fina. Sobre uma superfície enfarinhada e com o auxílio de um gabarito (utilizei uma forma de pão de mel de 6 cm de diâmetro - veja foto), corte a massa em pequenos círculos, polvilhe um pouco de farinha, acomode uma pequena quantidade de abóbora e feche cada um deles com o auxílio de um garfo. Devo agradecer minha esposa pelo trabalho excelente de fechamento de cada um dos tortelli, sem ela a receita teria outro destino !!

Dica importante: para evitar que a massa se abra durante o cozimento, passe o dedo umidecido em água pelas bordas de cada tortelli; não exagere na quantidade de água, é somente o suficiente para ficar umidecido. 

Assim que estiverem prontos, cubra uma assadeira com filme plástico, acomodando o tortelli sobre esse filme; dessa maneira ele não grudará. O ideal é que o tempo entre o preparo e o consumo seja, de no máximo, 3 horas. Passado esse tempo você deverá congelar o tortelli, caso contrário a massa absorverá umidade da abóbora e ficará amolecido.

Em uma panela pequena, em fogo baixo, aqueça o gergelim por uns 3 minutos, tomando cuidado para que não queime. Reserve.
Em uma frigideira anti-aderente, aqueça os 60 g. de manteiga em fogo baixo, adicionando umas 15 folhas de sálvia; a temperatura da manteiga deverá se manter baixa, sendo o ideal aquele ponto em que ela começa a espumar, mas sem queimar.




Em outra panela, com água fervente, adicione óleo de canola, um punhado de sal grosso e em seguida cozinhe o tortelli. O tempo de cozimento é facil: quando cru, ele fica na parte de baixo da panela, e quando estiver pronto, ele simplesmente virá para a parte de cima, ou seja, quando flutuar, estará pronto. Escorra a massa e na sequência coloque delicadamente dentro da frigideira com manteiga, mexendo com muito cuidado para que a massa não se abra. Uns 4 minutos são suficientes para terminar o preparo. 
Em um prato fundo, coloque o tortelli, folhas de sálvia rasgadas na mão, polvilhe com o gergelim tostado e um pouco de queijo parmesão. 


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Tagliolini ai Fiori di Zucca - Tagliolini com Flores de Abóbora

Hoje em dia ouve-se muito a respeito da fauna e flora em extinção, mas acho que pela primeira vez vejo um prato prestes a desaparecer; interessante como a modernidade espantou essa receita, delicada e simples, para bem longe.

Percebi isso em minha empreitada em busca da Fiore Di Zucca (Flor de Abóbora), tão abundante em minha infância, e que simplesmente sumiu dos grandes centros urbanos; pra ser bem sincero não imaginava como as pessoas desconheciam a existência dessa flor.

Procurei em lugares bem diferentes, de empórios bem famosos em São Paulo até a feira de orgânicos do Parque da Água Branca, passando por horti-frutis, feiras e casas de produtos naturais, mas a cada pergunta via na cara das pessoas um espanto; podia ler o pensamento delas "O que esse maluco vai fazer com flor de abóbora....comer??".

Pude finalmente encontrá-las no interior de São Paulo, na chácara dos tios da minha esposa, e para minha surpresa nem mesmo o caseiro, homem bastante íntimo da terra, sabia que eram comestíveis. Para espanto adicional de muitos, a flor de abóbora pode ser macho ou fêmea; isso mesmo !! e se come somente a flor macho, já que a flor fêmea deve ser preservada, uma vez que se transformará em abóbora.

Bom, ainda posso sentir o gosto dessa deliciosa flor empanada, quando minha avó a preparava, sequinha, para acompanhar um macarrão simples feito na manteiga, uma das receitas preferidas do meu avô.

Essa saborosa receita é originária da Emilia-Romagna, mais precisamente entre as cidades de Modena e Parma, muito embora possa ser encontrada como também típica do Veneto, na região compreendida entre Verona, Vigasio e Capitello di Sopra. Independente de onde tenha sido "criada", certamente é uma comida de camponeses, que tinham nessas pequenas alternativas uma refeição inesquecível. Por essa razão esse tipo de prato é chamado de "Piato Povero" (prato pobre) devido à sua origem simples.

Empanando as Flores:

Reserve 3 ou 4 flores para cada pessoa; abra com muito cuidado cada uma delas, lavando-as em água corrente, para que a parte de dentro fique bem limpa; isso é fundamental, já que abelhas ou outros insetos podem ficar lá dentro. Assim que estiver limpa, seque-as com um pano e adicione uma tira de queijo parmesão de boa qualidade. Reserve.

Para empanar, misture 2 copos de água com gás gelada com 1 copo de farinha de trigo peneirada. Adicione uma pitada de sal e uma de pimenta do reino ralada na hora.

Mergulhe as flores dentro dessa mistura, retire-as, elimine o excesso, levando-as imediatamente à frigideira com óleo de canola bem quente. Esse processo de empanar é semelhante ao utilizado no preparo do tempurá japonês. Reserve cada uma das flores empanadas em local arejado, não abafado ou fechado, já que as flores devem permanecer crocantes.


Finalização do prato:

Em uma panela com água fervente, adicione um punhado de sal grosso, óleo, e 500 g. de Tagliolini, por aproximadamente 11 minutos. Transcorrido o tempo, escorra a pasta, reservando uma concha da água do cozimento; volte toda a pasta para dentro da panela (fogo desligado), adicione duas colheres de manteiga sobre a massa ainda quente e misture delicadamente para que o tagliolini não se quebre; junte a água do cozimento.

Ponha o tagliolini em um prato fundo, acomode 3 ou 4 flores empanadas sobre a pasta, folhas de sálvia grosseiramente rasgadas com as próprias mãos e um bom punhado de queijo parmesão ralado de boa qualidade. Para acompanhar, um Prosecco de Conegliano ou Valdobbiadene; harmonização perfeita e garantida.

Como diriam no Vêneto: "Chi xe visin a la cusina, magnia la minestra caôda" (Quem está perto da cozinha é quem come a comida quente).

domingo, 9 de dezembro de 2012

Fusilli al Pesto di Carciofi - Fusilli ao Pesto de Alcachofras


Receita simples, deliciosa e extremamente adaptada ao clima quente; muito indicada quando se quer uma comida leve, sem muitos esforços. Ao contrário do que muitos pensam, pode fazer muito calor na Velha Bota; não raramente as temperaturas chegam aos 42 graus centígrados, obrigando o fechamento do comércio e principalmente das repartições públicas (risos).
 
Foi pensando nisso e considerando as altas temperaturas pelas quais temos passado nesses últimos dias, que decidi preparar essa receita singular.
 
Bem, pesto pode ser preparado com diversos ingredientes, sendo o mais tradicional deles o Pesto Genovese, que utiliza o Manjericão; mas tudo aquilo que pode ser triturado, macerado, pode virar pesto. Nesse mesmo blog, postamos o Linguine al Pesto Genovese, em Maio de 2012.

O Pesto de Alcachofras inclui ingredientes simples, porém muito delicados: fundo de alcachofras em conserva de azeite, pinoli, sal, azeite extra-virgem, queijo parmesão e uvas passas brancas. Vamos aos fatos: no Brasil é particularmente difícil encontrarmos o pinoli em condições adequadas, seja pela qualidade, seja pelo preço. Pela qualidade porque encontrei pinoli à venda em grandes empórios ou mercearias em condições precárias, praticamente mofados. Pelo preço porque poucos gramas podem representar uma pequena fortuna. Desse forma sempre sugiro que vocês substituam o pinoli por uma mistura de nozes e castanhas do Pará. Evite utilizar outros tipos de "nozes" nessa substituição, tais como amendoim, castanha de cajú, noz pecã, amêndoa ou avelãs.


O primeiro passo é a escolha da alcachofra em conserva de azeite; evite aquelas em conservas ácidas ou salmoura, que alteram substancialmente o resultado final. Alcachofras grelhadas, vendidas em vidros hermeticamente fechados, ou curtidas em ervas e pimenta também não são adequadas; procure as mais simples, apenas em azeite. Cerca de 4 fundos de alcachofras de tamanho grande, cerca de 300g. serão suficientes para servir 4 pessoas.

Misture 50 g. de nozes, 30g. de castanhas do Pará, os fundos de alcachofras e triture tudo com o auxílio de um almofariz ou pilão (veja foto ao lado). Aos poucos, adicione 50 ml de azeite, uma pitada de sal e 30 g. de queijo pamesão ralado de boa qualidade; misture tudo com vigor, garantindo que esteja totalmente homogêneo.

Assim que a mistura estiver com textura levemente ressecada, adicione outros 50 ml de azeite, sempre aos poucos, e mais 30 g. de queijo parmesão ralado. Continue o processo de maceração, lembrando que a textura ideal é um pouco mais consistente que um patê, já que o pesto não pode ficar seco, mas também não deve ter textura líquida. Caso seja necessário, adicione um pouco mais de azeite.

Prove o resultado final, acertando o sal caso seja necessário. Adicione duas colheres de sopa de uvas passas brancas e não triture mais - as uvas passas devem permanecer íntegras.

Em uma panela com água fervente, adicione um punhado de sal grosso, óleo e 500 g. de Fusilli por exatos e precisos 11 minutos.  Escorra, volte toda a pasta para dentro da panela onde ela foi feita (fogo desligado !!), adicione uma colher de manteiga e misture delicadamente. Sirva o Fusilli diretamente no prato, cobrindo-o com o pesto e um fio de azeite.

Para acompanhar, sugiro vinhos feitos da uva mais tradicional da Sicília, a Nero D´Avola; simplesmente sensacional.



domingo, 2 de dezembro de 2012

Gelato di Cioccolato con Arancia e Nocciola - Sorvete de Chocolate com Laranja e Avelãs

O sorvete é onipresente em toda Itália, de norte a sul, faça chuva ou sol, no calor ou em plena neve; onde quer que se vá, lá ele está. Pode ser encontrado de pequenos carrinhos de rua até estabelecimentos seculares, como a famosa Venchi, fundada em 1878, ou mesmo sob o conceito do 100% natural, sem agrotóxicos, da também renomada Grou. Além da qualidade dos ingredientes, os italianos são muito preocupados com o preparo de seus sorvetes; para isso dedicam atenção e incansáveis experimentos,  garantindo que em cada esquina você tenha a sensação de experimentar o melhor sorvete da Itália.
 
Me recordo da estupenda Gelateria do Zio Miri, localizada na Via Liberiana, quase na esquina com a Via Cavour, ao lado da Basílica di Santa Maria Maggiore, no Esquilino, em Roma; certamente um dos melhores sorvetes da cidade, preparado com simplicidade, carinho, ingredientes frescos e com a simpatia do Miri, sempre sorridente...e o melhor de tudo isso é que você não se sentirá explorado ou esfolado ao comprar uma bola de sorvete de boa qualidade, ao contrário do que acontece por aqui.
 
Esse preparo é um dos mais saborosos, pelo menos na minha simples opinião; nessa receita temos a oportunidade de unir o chocolate meio amargo, a acidez da casca da laranja e o crocante vindo das avelãs levemente tostadas. Tudo sem adição de conservantes.

Lá vamos nós !!

- 250 ml de creme de leite fresco;
- 1 ovo;
- 100 g. de açúcar;
- 200 g. de chocolate meio amargo em barra ralado;
- 450 ml de creme de leite (lata);
- 1 colher de café de essência de baunilha;
- 2 colheres de sopa de licor de laranja (Cointreau);
- 150 g. de casca de laranja cristalizada;
- 150 g. de avelãs com casca;

Um dia antes de preparar o seu sorvete, coloque todas as tiras de casca de laranja cristalizadas dentro de uma panela pequena, adicione dois copos de água e leve ao fogo baixo. Assim que estiver bem quente, porém sem levantar fervura, desligue, espere esfriar em temperatura ambiente e depois leve ao refrigerador. Isso fará com que a casca da laranja fique macia e adocicada (veja foto acima). Reserve a laranja, já que deverá ser adicionada ao sorvete apenas no final do preparo.

Aqueça o creme de leite fresco em uma panela grande, em fogo baixo, sem deixar que levante fervura; o leite deverá ficar quente, mas nunca deverá ferver; reserve.

Em um outro recipiente, preferencialmente a tigela de uma batedeira, bata o ovo e o açúcar, até ficarem esbranquiçados, formando um creme bege, liso e espesso. Com muito cuidado, e aos poucos, adicione o creme de leite fresco aquecido ao ovo batido com açúcar. Faça isso lentamente, com o auxílio de um batedor de arames (fouet), mexendo a mistura até que esteja totalmente homogênea.
Coloque essa mistura em uma panela, adicione o chocolate ralado aos poucos, mexendo constantemente, para que todo o chocolate seja derretido e incorporados à mistura; lembre-se de manter a panela em fogo baixo. Assim que todo o chocolate estiver derretido e misturado, retire a panela do fogo, adicione a lata de creme de leite, mexa vigorosamente, adicione a baunilha e deixe esfriar em temperatura ambiente - em seguida leve ao refrigerador.
 

Aqueça o forno em temperatura média, coloque as avelãs em uma assedeira, e deixe-as tostar por aproximadamente 5 minutos; o ponto correto é quando elas começarem a soltar a casca naturalmente. Muita atenção, pois as avelãs queimam com facilidade. Assim que a casca estiver soltando, retire a assadeira do forno, espere esfriar e remova a casca, esfregando-as com as mãos. Triture-as grosseiramente.
 
Bata a mistura na sorveteira, ou em uma panela de aço inox ou cerâmica bastante fria (pode ser resfriada no freezer por uma hora antes do preparo). Caso esteja utilizando uma panela, leve a mistura ao freezer por cerca de uma hora, mexendo de 20 em 20 minutos até que esteja bem consistente, em textura parecida a um sorvete derretido. Caso esteja utilizando uma sorveteira, espere endurecer um pouco, para então adicionar as duas colheres de licor de laranja (Cointreau), os pedaços de casca laranja grosseiramente picados e as avelãs trituradas. 
  
Leve ao freezer (caso esteja preparando o sorvete em uma panela de aço inox ou cerâmica, mexa a cada 20 minutos), espere endurecer e sirva.